Santo André Corsini 09 de Janeiro
Nicolau Corsini e sua esposa Pelerina ouviam atentamente o sermão na igreja dos carmelitas e tiveram ambos um sobressalto interior quando o pregador pronunciou estas palavras do Êxodo: “Não demorarás a oferecer a Deus os dízimos e as primícias”.
A família Corsini era das mais nobres de Florença. A Nicolau e sua esposa não faltavam recursos financeiros, menos ainda virtude e piedade, para fazer generosas doações à Igreja. A que atribuir, pois, esse sobressalto a propósito do dízimo?
Era a voz da graça em suas almas.
Promessa recompensada
Até então, o casal não tivera um filho sequer, e desejava ter muitos. Nos ouvidos de Pelerina, aquela frase do Êxodo soou como uma sugestão vinda do Céu, de consagrar a Deus o primeiro filho que Este lhe concedesse. E sem demora fez a promessa, diante da imagem de Nossa Senhora do Povo.
Sem saber o que se passara com sua esposa, Nicolau foi objeto de igual moção sobrenatural e fez idêntica promessa, diante da mesma imagem da Santíssima Virgem.
De retorno ao lar, não foi pequena a surpresa do piedoso casal quando um revelou ao outro o que havia acontecido e descobriram, assim, a feliz “coincidência”. Cheios de esperança, renovaram a promessa aos pés de uma imagem da Virgem Maria.
Constatando meses depois que sua súplica fora atendida, Pelerina passou então a rezar com ardor para que o fruto de suas entranhas fosse agradável a Deus.
Para seu espanto, na véspera do nascimento do menino, sonhou que ia dar à luz um lobo. No sonho, enquanto expunha à Virgem Imaculada sua grande aflição, viu o lobo entrar numa igreja e transformar-se em alvíssimo cordeiro.
Sentiu-se aliviada ao despertar, mas não contou a ninguém o sucedido. No dia seguinte, 30 de novembro de 1302, festa de Santo André, deu à luz um belo menino, o qual recebeu o nome do Apóstolo.
O sonho se torna realidade…
André herdou a nobreza dos pais. Era bem apessoado e dotado de inteligência privilegiada.
Porém, perto dos doze anos de idade, foi se tornando filho rebelde, provocava brigas e disputas na família, interessava- se apenas por jogos, armas e caçadas. Pouco se importava com a Igreja e a religião.
Aumentava cada dia mais a preocupação dos pais pelo futuro desse mau filho. Tendo este mais de 15 anos, decidiram expor-lhe as circunstâncias milagrosas de seu nascimento e a promessa por eles feita naquela oportunidade. O rapaz, porém, com desprezo, recusouse a ouvi-los.
Disse-lhe então a mãe, com voz suave e desgostosa:
– Verdadeiramente, André, tu és o lobo com o qual sonhei na véspera de teu nascimento.
– Que dizeis? Como posso ser um lobo? – retrucou-lhe ele com insolência.
– Fica sabendo, meu filho, que teu pai e eu, sendo estéreis, fizemos uma promessa à gloriosa Virgem Maria, de lhe oferecer o primeiro de nossos filhos, que és tu! Sabe também que, na véspera de teu nascimento, sonhei que dava à luz um lobo, mas que entrando numa igreja ele se transformou em cordeiro. Assim, meu filho, tu pertences à Virgem Maria. Suplico-te, portanto, que não desdenhes servir a tão poderosa padroeira.
Esta eloqüente exortação materna penetrou como um dardo no coração do jovem. Tocado por uma insigne graça, passou ele toda aquela noite em oração aos pés da Mãe de Deus. Prometeu- Lhe: “Ó Virgem Maria, já que Vos pertenço, Vos servirei de boa vontade, noite e dia. Rogai, porém, a vosso Filho que me perdoe os pecados da mocidade. Na mesma medida em que Vos desagradei, vivendo mal, me esforçarei por agradar a Vós e a Ele, mudando de vida”.
Na manhã seguinte, foi à igreja dos Carmelitas onde, prostrado diante da imagem de Nossa Senhora do Povo, suplicou: “Ó Gloriosa Virgem Maria, eis aqui o lobo devorador e repleto de iniqüidades. Rogo- Vos humildemente que me purifiqueis e mudeis completamente, transformando-me em dócil cordeiro, para Vos servir na vossa santíssima Ordem”.
Perseverou nesta prece até ao meiodia. Depois foi pedir ao provincial que o acolhesse na Ordem Carmelitana. Este lhe perguntou:
– Dizei-me, meu filho, de onde vos vem tal desejo?
– É obra de Deus e de meus pais, que neste lugar prometeram consagrar- me para sempre à Santa Virgem.
– Esperai, dentro em pouco vos darei a resposta.
Mandou logo chamar os pais do jovem. A mãe, ao ver o filho tão mudado, não pôde senão exclamar: “Eis o meu filho que de lobo se transformou em cordeiro!”
Noviço fervoroso
André recebeu o hábito do Carmo em 1318. Para experimentar a constância do jovem noviço, foram-lhe confiados os ofícios mais modestos, como varrer o convento, guardar o portão, servir à mesa, lavar pratos e utensílios de cozinha. Tal era seu fervor que considerava isso uma glória. Seus ex-companheiros de prazer, e até mesmo alguns parentes, o ridicularizavam por esse “rebaixamento”. Ele, porém, vivia já num mundo superior, o do silêncio e da oração.
Um dia em que ele guardava a porta do Convento, o demônio lá compareceu para tentá-lo. Apresentando-se como um nobre personagem, bem trajado e acompanhado de vários criados, bateu com força à porta, ordenando imperiosamente:
– Abre depressa! Sou teu parente e não quero que fiques aqui com esses frades maltrapilhos. Esta é também a vontade de teu pai e de tua mãe que te prometeram em casamento a uma linda jovem.
– Foi-me ordenado que a ninguém abrisse a porta. Ademais, não te conheço. Se aqui sirvo esses humildes irmãos, imito Jesus Cristo que se fez homem para nos servir. Foram meus pais que me consagraram a Deus e à Virgem, serviço no qual me rejubilo.
Mudando de tom, disse o importuno visitante:
– Rogo-te, André, abre-me a porta por um instante só. Quero falar contigo de certas coisas… Teu superior nada verá!
– Ainda que o prior nada visse, acima dele está Deus que perscruta os corações. É por amor a Ele que guardo esta porta, para que Ele me guarde e auxilie.
Ainda falando, o noviço fez o sinalda- cruz, e o tentador desapareceu instantaneamente, deixando uma nuvem de fumaça negra e fétida. André deu graças a Deus pela vitória, tornandose, após vencer a tentação, ainda mais forte e perfeito.
Voando nas vias da santidade
Um ano mais tarde fez os votos solenes e redobrou o fervor na prática das virtudes, sobretudo da humildade. Seu maior prazer era servir aos outros, especialmente aos enfermos, tendo sempre presente a palavra do Senhor: “O que fizerdes ao menor destes pequeninos, é a Mim que o fazeis”.
Frei André nunca faltava à liturgia das horas santas. Jamais resistia às ordens dos superiores. Quanto mais lhe ordenavam, maior era a alegria que pervadia sua alma. Tinha bem claro que o tempo é dom precioso de Deus, por isso empregava no estudo todos os minutos que lhe restavam do cumprimento das obrigações impostas pela obediência.
Às sextas-feiras, com um cesto pendurado ao pescoço, saía mendigando pela rua principal de Florença. Imagine- se a reação indignada de alguns de seus parentes, todos personagens importantes na cidade! Incitavam os habitantes a escarnecê-lo e a insultá-lo. Ele, porém, após receber as piores injúrias, retirava-se contente, refletindo: “Jesus também foi gravemente injuriado, e, aniquilado pela dor, não se irritava”.
As virtudes são todas irmãs, quando se progride em uma, adianta-se também nas outras. Assim, tendo subido tanto na virtude da humildade, nosso Santo era igualmente exímio na prática da pureza. Fugia de todas as ocasiões de tentação e não tolerava que em sua presença se pronunciassem palavras inconvenientes.
Dom dos milagres
Em várias ocasiões, exerceu em benefício do próximo o precioso dom dos milagres. Um de seus tios sofria de uma doença que lhe corroia as carnes da perna. Para se distrair do incômodo, transformou sua casa em lugar de jogatinas. Visando conquistar para Jesus essa alma, André foi visitá-lo e lhe perguntou:
– Quereis ser curado?
– Vai-te daqui, mendigo, queres zombar de mim!
– Se desejais ser curado, aceitai ao menos um conselho.
A mansidão do Santo abrandou a arrogância do ímpio, que disse:
– Se for possível a minha cura, farei tudo quanto pretenderes.
O frade lhe recomendou jejuar durante seis dias e, no sétimo, rezar sete Pai-Nossos, sete Ave-Marias e uma Salve Rainha.
– Se fizerdes isto, prometo que a gloriosa Virgem obterá de seu Filho vossa cura.
Embora incrédulo e sem devoção alguma, o doente assim fez. No sétimo dia estava curado. Exultante, procurou André para dizer-lhe:
– Sois verdadeiramente um amigo de Deus, meu sobrinho! Nada mais sinto, posso caminhar como um jovem.
Com efeito, suas carnes estavam renovadas. Desde então, mudou de vida, não mais cessando de dar graças a Deus e a sua Imaculada Mãe.
Sacerdote e bispo
Em 1328, André recebeu a ordenação sacerdotal. Os pais haviam preparado tudo para a celebração da sua primeira Missa, a qual pretendiam fosse soleníssima e contasse com a presença de todos os parentes.
Sabendo desta pretensão familiar, o Santo retirou-se para um pequeno convento distante, onde ofereceu a Deus as primícias do sacerdócio, com grande recolhimento e devoção.
Como prêmio, imediatamente após a Comunhão, a Santíssima Virgem lhe apareceu, dizendo: “És meu servo, escolhi- te, e em ti serei glorificada”. Estas palavras penetraram-lhe fundo no coração, tornando-o ainda mais humilde e puro.
Após exercer o ministério da pregação em Florença, estudou três anos na Universidade de Paris e foi aprimorar os estudos com o Cardeal Corsini, seu tio, na cidade de Avignon, então Sede do Papado. Aí Deus operou por sua intercessão a cura de um cego.
De retorno à pátria, foi eleito prior do convento de Florença. Pouco tempo permaneceu nesse cargo. Tendo falecido o Bispo de Fiésole, cidade próxima, o capítulo da Catedral o elegeu para sucessor. Mas o Santo, tomando conhecimento da eleição, ocultou-se num convento dos Cartuxos, na tentativa de fugir de tão perigoso fardo.
(A família Corsini era uma das mais nobres da cidade de Florença)
Quando os cônegos já iam fazer nova eleição, Deus revelou a um menino o retiro do seu servo. Temeroso de resistir à vontade do Céu, Frei André consentiu então em receber a sagração episcopal, em 1360, aos 58 anos.
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Vida mais austera ainda
A elevação à dignidade de Bispo da Santa Igreja produziu uma mudança em seu modo de viver: ele redobrou suas austeridades, acrescentando mais um cinto de ferro sobre o cilício que usava. Por leito, tinha apenas uns ramos de videira estendidos no chão. Recitava diariamente os salmos penitenciais e a ladainha dos santos, submetendo- se a uma rude disciplina. Todo o seu tempo era dividido entre a oração, as funções episcopais e a meditação das Sagradas Escrituras. Com mais rigor ainda, evitava toda ocasião de tentação contra a virtude angélica, e não suportava a presença de lisonjeadores nem murmuradores.
Seus exemplos e sermões produziam tão maravilhosos frutos que logo foi considerado um dos grandes apóstolos da Itália.
Multiplicou os pães
Às quintas-feiras costumava lavar os pés dos pobres, imitando a humildade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Certa vez um deles recusava-se a lhe apresentar os pés, pois estavam cobertos de úlceras. O Santo venceu-lhe a resistência, lavou-os e estes ficaram completamente curados.
Após a cerimônia do lava-pés, nunca despedia os pobres sem lhes amenizar a indigência com uma generosa distribuição de pães. Certa vez em que havia poucos, ele, com uma bênção, os multiplicou e assim pôde satisfazer a todos os necessitados.
Possuía também uma singular aptidão para harmonizar os espíritos divididos, da qual se valeu para apaziguar todas as sedições tanto em sua Diocese quanto em Florença. Informado disto, o Papa Urbano V o enviou como legado a Bolonha, para conciliar as facções que excitavam a nobreza e o povo um contra outro. Santo André restabeleceu a paz nessa cidade, a qual durou enquanto ele viveu.
Caminhou alegre para a morte
Durante a Missa de Natal de 1372, o Santo Bispo sentiu-se acometido de uma febre que logo o dominou. Longe de se alarmar com a proximidade da morte, caminhou em direção a ela com tranqüilidade, e até com surpreendente alegria. Faleceu a 6 de janeiro de 1373, aos 72 anos de idade.
“A fama de santidade que circundou sua vida, após a morte difundiu-se rapidamente na Itália e na Europa”, lembrou S.S. João Paulo II, no 7° centenário de nascimento de Santo André Corsini.
Se Deus o honrou com muitos milagres em vida, a voz do povo o “canonizou” imediatamente após sua morte. O Papa Eugênio IV, posto a par dos efeitos que a intercessão do Santo produzia em toda a região de Florença, autorizou que seus restos mortais fossem expostos à veneração dos fiéis. E Urbano VIII o canonizou em 1629.
(Revista Arautos do Evangelho, Fev/2005, n. 38, p. 22 à 25)
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